Capítulo 3 - Cibi condimentum est fames.

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Nem tudo que parece, é.

Saindo do supermercado em Chicago, sentindo o peso das sacolas em suas mãos, Karine, procura o seu carro. Era uma Mercedes, branca, último tipo, mas que naquele momento, o carro chamativo não estava ajudando muito. Toda atrapalhada, tentando pegar as chaves para apertar o botão do alarme, deixou tudo cair no chão....as suas pálpebras tremiam de nervoso e suas mãos suavam frio, fazendo ainda mais tudo aquilo que ela tinha comprado e estava pegando ali, espalhado pelo chão, estivesse escorregando... E aquela máscara? Parecia que não permitia que ela respirasse...Tão incômoda, tão apertada...ahh tão fora de moda....

Fora de moda não parecia ser o mais importante naquele momento para outras pessoas, mas para ela, menina rica, mimada, que nunca tinha precisado entrar em um supermercado até seus 22 anos, sim, era muito ruim. Quem não a conhecesse com certeza falaria que ela era fútil, mas nem tudo é o que parece.

Seus pais, donos de uma das maiores empresas de Softwares do mundo, sempre deram tudo para ela, principalmente, pessoas que pudessem fazer todas as tarefas diárias consideradas “chatas”.

Ela tinha uma pessoa só pra cuidar do seu cabelo e unhas, outra, só pra roupas, outra, para fazer compras e cozinhar suas comidas prediletas, um motorista e até professores particulares, de música, dança, ciências, história e tudo o mais que ela quisesse. Ela não ia para escolas normais porque seus pais tinham medo que alguém a sequestrasse e achavam que podiam fazer o melhor pra ela em casa.

Ela fazia viagens as vezes, com seus seguranças, pois seus pais, não tinham muito tempo pra ela, mas assim ela podia conhecer lugares diferentes, sempre imaginando o que poderia ter acontecido naquele local, muitos anos antes e isso sempre lhe trazia distração para aquela vida vazia  na sua enorme casa cheia de solidão. As aulas de história eram suas favoritas.

Mas se uma coisa, a Pandemia tinha feito, era fazer Karine, sair daquela vida. Seus pais, estavam do outro lado do mundo, em Israel, em meio a uma convenção quando o país fechou suas fronteiras. Ninguém entra e ninguém sai, diziam as autoridades máximas do país. Tudo para tentar conter o novo vírus que estava matando pessoas na região.

Seus pais estavam no hotel Lilah, hotel mais famoso da região e não imaginavam que lá seria a sua próxima morada durante os próximos meses.

Karine, já não tinha muito contato com os pais, então isso não a abalou profundamente, mas um surto de contaminação dentro da sua casa sim. Tudo começou com o Jardineiro que passou a tossir muito mas com medo de perder o emprego continuou indo trabalhar, transmitindo para a cozinheira que era muito sua amiga e essa então, teve que se afastar pois foi obrigada a ser internada com maiores complicações.

O Jardineiro, então, não foi mais ao trabalho e o funcionamento da casa deixou de ser o habitual.

Os professores de Karine, imediatamente se afastaram para que ela não fosse alvo dessa doença que falavam ser tão devastadora. Cabelereira, manicure, todos à sua volta foram afastados e suas aulas agora, eram 100% online, sendo que as únicas pessoas que ainda continuavam ali, eram seu segurança pessoal, Rhavi, mas que nunca chegava a menos de 3 metros dela e a equipe de segurança da casa que ficava em uma sala fechada nos fundos vendo toda a movimentação pelas câmeras.

Então. Contato com ela. Nenhum. E assim passou o primeiro mês, fazendo suas aulas Online, se alimentando de qualquer coisa que encontrava na cozinha e completamente sozinha.

Ao pesquisar na internet dados para um dos seus trabalhos de Ciências, esbarrou com uma matéria escrita por um tal de Charlie Thompson, o qual ficou encantada por tantos dados históricos. Charlie era um Historiador americano muito renomado e Karine ficou muito curiosa sobre ele.

Super inteligente, em busca de mais artigos escritos por ele, Karine mergulhou em uma pesquisa por dias, por sempre estar sozinha, desenvolveu uma habilidade imensa com computadores, programação e “invasão”, ela sempre provocava os pais invadindo suas redes... Mas o que ela achava mais estranho, era que parecia que ele não queria ser encontrado, não havia telefone, e-mail, nada, nenhum contato. - Como uma pessoa não tem passado? Pensava ela.

Ela já começava a achar que esse nome, nem era verdadeiro, quando de repente, se viu em um grupo de pessoas, o qual pareciam saber quem era ele.

Com fome, parecia que essa nunca passava, com 22 anos, 1,60 de altura e 90 Kilos, entrava pela cozinha e abria a geladeira na mesma velocidade que digitava em seus computadores de última geração e se viu pegando a última garrafa de refrigerante e o último pedaço de bolo que ainda restavam na geladeira. Enfim, precisaria ir ao mercado.

Rhavi, com instruções para não deixá-la sair, se propôs a ir ao mercado pra ela, mas no caminho para o mercado, sofreu um acidente de carro, o qual o levou a ser hospitalizado às pressas...

Karine se viu então, obrigada a sair. Colocou uma das suas roupas bacanas, pegou uma máscara que um dos funcionários que não estava mais indo trabalhar e havia deixado em uma das mesas, entrou no seu carro, que raramente dirigiu, mas como era uma fera na tecnologia, não achou difícil controlá-lo e lá se foi pelas ruas, rumo ao mercado.

Uma coisa simples para qualquer um, mas que pra ela, foi um grande salto de liberdade, ela já tinha passado por aquelas ruas muitas vezes, mas sempre no banco de trás, vidros fechados, motorista e segurança ao seu lado. Agora, estava sozinha, dirigindo, com os vidros abertos. As cores das árvores mais vivas, até o asfalto da rua parece que brilhava sob o sol.

Chegando ao mercado, estacionou da melhor forma, meio fora da vaga demarcada, ainda teria que treinar mais, mas foi em direção a porta, toda orgulhosa.

Passava pelas prateleiras como se estivesse fazendo um desfile e colocava tudo o que havia de gostoso no carrinho, lia algumas embalagens pra saber como se preparava, pois já não tinha a cozinheira no momento para fazer pra ela e assim foi, passando pelo caixa e voltando a cena inicial deste capítulo.

Naquele momento, com as sacolas caindo no chão, ela já não estava tão feliz assim, toda atrapalhada, procurando as chaves para acionar o alarme do carro, percebeu que aquela “aventura” não passava de uma bobeira e carregando as compras até o carro, as jogou no porta malas de qualquer jeito e se desmontou no banco da frente, cansada e sentindo ainda mais o peso da solidão.

E em meios aos seus pensamentos, lembrou de Charlie, pensou o quanto ele devia ter viajado, o quanto ele devia ter pesquisado, o quanto ele devia ser livre.

E voltou pra casa absorta naqueles pensamentos e com suas compras, amassadas em meio as sacolas rasgadas, e observando as ruas e as árvores do caminho, que já não tinham mais tanta graça assim.

Chegando em casa, colocou tudo na mesa da cozinha, guardou só que precisava na geladeira, pegou um pedaço de queijo que pra tampar aquele buraco do estômago e correu pro quarto, pra olhar as telas de seu computador, sim, eram várias telas e ver se alguma coisa naquele grupo que ela tinha encontrado a levava a encontrar o Charlie.

Ela tinha criado um programa há um tempo atrás para localizar assuntos na Internet para ajudar em seus trabalhos de escola. Se tratava de uma programação avançada que funcionava como uma espécie de Google, mas sem precisar colocar uma palavra chave específica. A busca poderia ser de diversas formas, como por exemplo, qual a palavra que mais estava aparecendo naquele grupo agora.

E as iniciais CT apareciam muito, como também, as palavras estranho, perigoso e tudo isso a deixou cada vez mais curiosa o que fez com que ela quisesse participar daquele grupo, mas ainda não sabendo o que dizer para aquelas pessoas, não era tão simples falar que estavam sendo hackeados, resolveu por um tempo ficar só observando.

 

A fome é o melhor tempero.