Capítulo 6 - Semper Flamma fumo est proxima

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Depois de um atribulado dia no hospital, agora com a sensação que algo maior estava acontecendo, logo que voltou pra casa, resolveu entrar na internet e buscar um grupo de conhecidos que falava as vezes ao longo da faculdade.

Esse grupo era formado por algumas pessoas que possuíam um único interesse comum: saber a verdade. Os assuntos eram os mais variados, desde dados sobre a natureza, crimes ocorridos em virtude de preconceitos ou abusos cometidos, políticas externas, doenças sem controle, empresas ou políticos envolvidos em escândalos. Cada um, em um canto do mundo, com uma especialidade, queriam contribuir para um mundo melhor.

Mas até o momento, eles ainda não tinham feito ou conseguido muita coisa.

Esse grupo era composto por:

Liz. Uma Jornalista desempregada, que tentou virar prostituta e ainda não havia tido êxito, em São Paulo, Brasil.

Raquel. Uma residente de medicina de nacionalidade brasileira que morava em Wuhan, na China, a qual acabava de perder o único amigo na região.

Charlie. Um americano que diz que é viajante do tempo, mas que todos acreditam que deva ser um ótimo historiador, um pouco maluco e que mora no Brasil.

Thony e Mike. Dois americanos, sendo um, publicitário de sucesso e o outro matemático, donos de uma gráfica em São Francisco nos EUA.

Raissa, de origem Libanesa, amplamente lutadora dos direitos das mulheres em Beirute, estava morando na Itália atualmente, pois estava fugindo de algumas autoridades religiosas de seu país.

J.D., um cara que eles não tinham idéia de onde veio ou quem era, mas que deixaram entrar no grupo pois ele sempre parecia saber das coisas, acreditavam que ele deveria ser algum policial que cansado de ver injustiça nas ruas, queria fazer justiça de outra forma. Ele sempre tinha informações suspeitas e falava sempre de forma firme e mandona.

E quem eles ainda não sabiam e estava prestes a entrar neste grupo, Karine, moradora de Chicago, mas com origem japonesa, uma moça rica, que entendia tudo de tecnologia.

Fazia meses que eles não se comunicavam, parecia que nada acontecia, ou que eles tinham perdido a vontade de fazer parte daquele grupo, até que a mensagem de Raquel sobre algo suspeito estar ocorrendo nos hospitais de Wuhan chegou aquele dia.

Raquel contou também da morte suspeita de seu professor. Ela não tinha muito certeza que alguém podia ajudar neste caso e se a morte dele tinha ligação com o que estava ocorrendo nos hospitais, mas ela tinha que falar com alguém.

Isso era dia 15 de dezembro de 2019. Liz, tinha acabado de ver a foto que Raquel tinha enviado e a imagem daquele homem não saía da sua cabeça. É claro que a morte suspeita do professor de Raquel a preocupava, principalmente devido à suspeita de uma doença nova que poderia estar matando inúmeras pessoas, mas o fato daquele homem estar naquele lugar, naquele momento, a intrigava.

Liz não quis falar nada naquele momento, pois não queria expor as circunstâncias as quais o tinha conhecido, até porque tinha certeza de que ninguém iria acreditar nela. Nem ela estava acreditando muito no que seus olhos viram.

Já fazia 20 anos que Charlie havia chegado no “futuro” e estava na biblioteca da universidade de são Paulo, onde passou boa parte desses anos estudando tudo que havia “perdido”.

Como ele saiu da Floresta e foi parar ali, será uma história contada mais para frente, mas por hora, só temos que saber que Ayra o ajudou a sair da Floresta e o ajudou a inseri-lo na cidade “grande”. O dinheiro para ele começar uma nova vida, lhe foi entregue por aquele homem desconhecido e em todos esses anos que se passaram, ele se aperfeiçoou, estudando idiomas, estudou o português com muito afinco, quase não dando para perceber seu sotaque, aprendeu também espanhol e um pouco de italiano. Viajou o mundo e aperfeiçoou tudo que havia apreendido.

Conheceu o mundo dos computadores, achou fabulosa a invenção da internet e se preocupava mais e mais em aproveitar essa segunda chance que ele havia recebido, esperando o dia em que ele teria que pagar a “dívida” com o tal homem misterioso.

E parecia que este dia, estava chegando.

Estava percorrendo os sites de busca pela internet naquele dia, procurando notícias novas para ver se encontrava um indício do “fim da humanidade” que tanto assolava seus pensamentos, quando recebeu a mensagem de Raquel.

Ele tinha certeza de que aquilo não poderia ser coincidência e aquilo precisava ser melhor investigado. Ele sempre achou que a doença que ele estava aguardando viria de países muito populosos. Depois de tudo que ele estudou e viu, ele tinha certeza que em locais com a população desproporcional, falta de saneamento básico, a alimentação proveniente de muitos animais diferentes para suprir a fome de uma nação tão grande, só poderia ser o palco perfeito para o desenvolvimento e a disseminação de um vírus, potencialmente letal.

E a China, por sua vez, com um governo controlador, tentaria esconder estas informações do mundo enquanto pudesse. Talvez a morte do professor de Raquel não fosse coincidência. Talvez ele soubesse o que estava acontecendo.

Thony e Mike tinham parado em um posto na beira da estrada para abastecer quando receberam a notícia de Raquel. Estavam tão felizes com a viagem que estavam fazendo que não deram muita bola para isso. Continuaram tomando seu suco normalmente, enquanto estavam esperando seus lanches ficarem prontos.

Eles estavam indo conhecer os sobrinhos pessoalmente e tinham planejado passar o Natal com eles e só voltarem para casa em janeiro, seriam férias de quase um mês, que durante toda a sua vida juntos, não tinham tido ainda a oportunidade de tirar e nada iria estragar aquele momento mágico.

Eles pensaram que seria mais uma notícia que eles iam descobrir que no final, não era mais do que um alarde insensato e sem sentido.

Infelizmente estavam errados.

Raissa ainda não tinha visto a mensagem no computador quando policiais italianos invadiram seu apto. Levaram seu celular, computador e alguns pertences pessoais. Ilegal no país a mais de um ano, estava sendo presa, por imigração ilegal e suspeita de terrorismo.

Raissa, uma libanesa de pele clara, cabelos cumpridos negros e olhos marcantes, possuía 29 anos, marcados por sangue, luta, fuga, muita briga e revolta.

Nascida no Líbano em uma família vítima da Guerra civil, Raissa, sempre teve em sua cabeça o quanto a intolerância pode ser fatal.

Sua avó faleceu no parto, seu avô culpando o bebê pela morte da sua esposa, e também por se tratar de uma filha mulher, a renegou e a entregou a uma família libanesa cristã. Essa família a criou com muito desprezo, mas ao menos lhe deu casa e instrução necessárias para servir com os afazeres domésticos.

Seu pai, fugindo do território palestino devido a ocupação israelense, buscou refúgio no país vizinho. Primeiramente, viveu no sul do Líbano, onde, por um tempo, viveu em situação muito precária.

Sua mãe, na época com 16 anos e seu pai, com 27, apesar das religiões diferentes, cansados da guerra e maus tratos, se apaixonaram e decidiram ficar juntos. Dez anos depois, fruto desse amor, nasceu Raissa.

Seu pai e sua mãe, viviam escondidos daquela sociedade que não aceitava a mistura de duas religiões. Mas seus pais, apesar de algumas desavenças, viviam bem com suas crenças diferentes e nenhum dos dois aceitavam a religião como lei, sendo donos do seu coração apenas eles mesmos.

De forma chocante, quando Raissa tinha apenas 4 anos, sua mãe ao ir ao mercado local, foi vítima de um ataque de homens inescrupulosos. Em meio a seus gritos e chutes, eles a amarraram e a apedrejaram, até o seu último suspiro poder ser ouvido. Depois dessa atrocidade, ainda atiçaram fogo naquele corpo pálido e ensanguentado, pichando em um muro próximo, o recado: em nome do Partido de Deus que em árabe significa “Hezbollah”.

O cheiro da fumaça fétida podia ser sentida a quilômetros de distância e  o que permitiu que o corpo fosse reconhecido, foi o único presente de valor que seu pai havia conseguido comprar para ela: uma correntinha de ouro com um pingente de flor de lótus dado no dia em que Raissa nasceu.  Aquele pai que era muçulmano, que havia fugido para o Líbano para encontrar uma vida melhor, que havia se apaixonado e tentava levar uma vida em paz, morreu no momento que colocou a última pá de terra ao enterrar as cinzas que sobraram da sua mulher amada. E nasceu naquele dia, um homem ateu, que não acreditava que poderia existir um Deus que permitisse tamanha atrocidade. Um pai que criaria uma filha com muito amor, mas que também a ensinaria a enfrentar as durezas da vida, a ser uma mulher que não se subjugaria a ninguém, a nenhum homem e nenhuma religião.

Seu pai trabalhou muito para dar-lhe uma boa educação, só pensava em fazer da sua filha uma doutora, quando tinha 18 anos a enviou para Europa para estudar Italiano e fazer medicina, mas no meio do curso Raissa só conseguia pensar que ela precisava fazer algo mais, que ela não queria ser mais uma mulher que para ser feliz precisaria sair de seu país, que ela tinha que ser a mudança.

Contrária ao desejo de seu pai, mas com o apoio dele, voltou para seu país e junto com outros amigos e conhecidos começou a participar de movimentos a favor dos direitos das mulheres e por alguns anos, batalhas ganhas e batalhas perdidas, começou a ser uma pedra no sapato de alguns poderosos.

Até que um dia invadiram o apartamento que vivia com o seu pai e atiraram para todos lados. Por sorte, seu pai não estava em casa e ela, no terraço fumando, ao ouvir os tiros, pulou de um prédio ao outro e conseguiu fugir.

Imediatamente, ligou para seu pai e pediu para que ele ficasse na casa de amigos e ela assim que pode, voltou no apartamento só para pegar seu passaporte e algumas roupas e foi direto para o aeroporto e com o ajuda de alguns conhecidos do Líbano e da Itália, voltou para o país que tinha a recebido apenas como uma simples estudante e que agora seria o país que salvaria a sua vida.

Até aquele momento.

 

A fumaça está sempre próxima do fogo.