Capitulo 18 - Suae quisque fortuna faber est

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Liz, ávida por notícias, mal dá um beijo em Tom e já começa a perguntar se ele havia encontrado algo de interessante:

- Calma querida, deixe-me tomar um banho e conversamos, mas achei algumas coisas interessantes sim, mas acredito que o Charlie também tenha achado.

- Charlie? Você o viu? Falou com ele?

- Não. Mas tenho certeza que esteve lá.

E saiu rumo ao banheiro, deixando Liz com aquelas perguntas no ar.

Ela viu nos olhos dele que o cansaço e a preocupação tomavam conta do seu corpo, então, decidiu não ir atrás dele naquele momento e deixá-lo relaxar um pouco antes de enchê-lo de perguntas e se deitou na cama olhando para o teto, pensando em Charlie e o que ele estaria fazendo agora.

Charlie estava sentado em uma grande pedra que havia em um dos jardins da cidade de Wuhan, com a chave dourada na mão, observava cada detalhe, cada contorno, tentando buscar algum tipo de pista que o levasse onde ela pudesse abrir. Não tinha ideia por onde começar, poderia estar em qualquer lugar, pensou na universidade, mas achou que a chave não estaria tão perto de onde ela abriria, pensou que poderia estar na casa do professor, mas achou que seria muito simples, o professor não parecia desses, então resolveu ir até o cemitério da cidade e procurar a lápide onde seu corpo estava enterrado e ver se estando próximo ao corpo, talvez lhe trouxesse algum tipo de iluminação.

Conseguindo achar onde o professor estava enterrado, sentou-se bem próximo e como se estivesse conversando com um amigo começou a perguntar para o professor onde serviria aquela chave.

Começou a contar a ele que queria ajudar as pessoas e que talvez essa chave o levasse a alguma resposta. Ele dizia que com certeza Win estava procurando uma saída para tudo isso e talvez essa resposta que o tivesse levado de encontro com a morte. Talvez porque ele tinha pegado a doença, talvez porque o tivessem matado. Charlie sabia que Win não falaria nada e nem sairia andando e mostrando o lugar, mas por um instante, ele achou ter visto algo na lápide que lhe parecia familiar.

No canto, havia uma estrela, igual a estrela desenhada na chave, uma estrela de 6 pontas, não de 5 como costumam ser as estrelas comuns.

Mas como o mesmo símbolo estava aparecendo na chave e na lápide? Se ele havia morrido, ele não poderia ter colocado aquela estrela ali depois da sua morte. Ao menos que ele já sabia que ia morrer e assim encomendou os dizeres e os símbolos que gostaria que estivessem ali, ou havia pedido a um amigo que o fizesse caso acontecesse algo com ele, ou... E Charlie começou a andar para um lado e para o outro e mexendo a cabeça em sinal de negativa, começou a falar baixo para si mesmo:

- Não pode ser... Não pode ser... e atônito diz baixinho: O professor Win pode estar vivo... e olhando para a chave diz para si mesmo: - E a chave para este mistério está bem na minha mão.

 

Raquel já estava passando pela porta do desembarque quando J.D. a avistou e acenando com as duas mãos chamou a atenção de Raquel, que apressadamente, andou em direção a ele.

Raquel estava feliz em vê-lo, mas não ousou lhe dar um abraço, pois apesar de usar máscara, não se sentia limpa o suficiente depois de ter voado tantas horas de avião.

- Como foi a viagem? Perguntou J.D. querendo puxar assunto.

- Foi boa. Eu estava um pouco apreensiva, com medo que alguém estivesse atrás de mim e por causa desse maldito vírus, mas por fim até consegui dar um cochilo no avião.

- Que bom. Então, vamos para casa?

- Com certeza.

- Não estranhe onde é minha casa e as meninas que moram comigo. Todas são muito boas, às vezes tem um pouco de ciúmes de mim, mas é coisa da profissão.

- Qual a profissão delas? Pergunta Raquel intrigada.

- Você vai ver. Responde J.D. com um sorriso e abrindo a porta do carro, aponta o banco para que ela se sentasse.

 

Mike e Thony ainda atordoados por causa da morte de Karine, resolvem ir a procura da mãe dela para prestar as condolências, como também para sondar se ela tinha alguma ideia do que havia acontecido e de quem tivesse feito aquilo. Já haviam pedido para J.D. descobrir onde ela estava internada e J.D. com grande facilidade, localizou os arquivos de entrada dos recém internados nos hospitais da região, e em menos de 5 minutos já havia enviado aos meninos toda a ficha dela. O hospital nem havia se dado o trabalho de mudar o nome dela, o que na verdade J.D. achou estranho:

- Fácil demais. Pensou ele.

Imediatamente, pegaram seu carro e foram para o hospital, havia muito movimento, mas parecia que ainda ninguém sabia que a Sra. Links estava lá. Havia vários seguranças na porta do hospital, mais policiamento, com o aumento de casos de Covid e o começo da vacinação nos Estados Unidos, as pessoas estavam mais agitadas que o normal.

Eles já tinham ensaiado algo como, Mike desmaiando e Thony o socorrendo e o arrastando para dentro do hospital, mas estranhamente não precisou, ninguém prestou atenção neles quando entraram. Eles só precisaram seguir as placas até a ala norte, ala mais privativa do hospital. O quarto que estava escrito na ficha dela era o 346 e para lá eles seguiram sem olhar muito para trás.

Quando estavam quase chegando, avistaram um médico vindo na direção deles e achando que iam ser abordados, entraram na primeira porta que encontraram.

Olhando ao redor perceberam que estavam em uma espécie de almoxarifado, ali então, colocaram luvas, botas brancas, avental de médico, touca e trocaram as máscaras que estavam por brancas descartáveis. Estavam perfeitos enfermeiros, só faltava um crachá.

Saindo daquele ambiente, se direcionaram em frente ao quarto 346 e vendo um segurança na porta, tinham certeza que ali dentro se encontrava quem eles queriam conversar.

Se fazendo de médicos, pediram licença ao segurança para entrar no quarto justificando que era a hora dos remédios da Sra. O segurança achou estranho, pois a pouco, havia entrado uma enfermeira com o mesmo propósito.

Thony com a voz muito segura, disse para o segurança que então tinha algo muito errado acontecendo, pois eles eram os médicos responsáveis pela Sra. Links e inclusive eram os únicos autorizados a cuidar dela. O segurança ficou confuso e disse que não estava sabendo de nenhuma informação de exclusividade médica, mas que então iria confirmar e imediatamente chamou pelo rádio algum colega segurança, que provavelmente seria um daqueles que eles haviam visto do lado de fora do hospital, Mike e Thony então, aproveitaram a distração e invadiram o quarto, trancando a porta rapidamente, deixando o segurança gritando com eles do lado de fora.

Eles só podiam ouvir o segurança os mandando sair e pedindo ajuda pelo rádio para outros seguranças.

Eles sabiam que tinham pouco tempo.

A maca estava envolta por aquelas cortinas que dividem as enfermarias e salas de UTI, para dar mais privacidade aos médicos e pacientes, mas em um quarto individual e grande como aquele não teria muito sentindo aquelas cortinas, mas, delicadamente e apressadamente foram  chegando mais perto e pedindo licença e se apresentando, foram abrindo as cortinas devagarinho, imaginando que a senhora pudesse estar dormindo, mas a surpresa veio quando eles olharam para a maca e essa estava completamente vazia.

Por um momento, olharam para a porta do banheiro, que estava aberta e puderam ver que ninguém estava lá, olharam também para a janela, mas seria impossível alguém descer por lá, eles estavam no 10º andar do hospital.

Ficaram paralisados. Será que o segurança sabia o tempo todo que não tinha ninguém? Então porque não havia dito a eles no momento que eles pediram para entrar. Se ela tivesse ido fazer algum exame, com certeza ele a teria acompanhado.

Os pontapés e socos na porta estavam se tornando ensurdecedores e a porta iria ceder a qualquer momento. Mike e Thony se entreolhavam e não sabendo o que fazer, resolveram destrancar a porta e como em uma grande tragicomédia os dois seguranças que estavam empurrando a porta desabaram no chão.

Mike e Thony pularam sobre eles e saíram correndo e buscando se esconder e escapar, entraram nos corredores que levavam as escadas de incêndio. Desceram cerca de 6 andares, pulando degraus e se apoiando em corrimãos quando ouviram passos subindo pelas escadas. Tentaram sair pela porta do 4 andar, mas se encontrava trancada e de costas encostadas na parede, só podiam ouvir o barulho das próprias respirações e dos passos chegando cada vez mais perto.

O medo era tão grande que não perceberam que atrás deles tinha uma entrada que mais parecia uma porta secreta e que de dentro surgiu uma mão armada que de tão rápida, parecia que havia batido na cabeça dos dois ao mesmo tempo e com algum esforço puxou seus corpos moles para dentro.

 

Raissa aguardava notícias de Liz e Tom e isso a estava deixando impaciente, ela sabia que não dava para ter respostas imediatas, mas ela precisava fazer algo a respeito, ou então, dormir.

Joshua percebia que Raissa não estava bem e não sabia muito como lidar com isso. Ele sentia que ela estava escondendo algo dele, mas não queria perturbá-la, ele via que a dor de perder o pai daquele jeito foi muito grande e que ela ainda precisava de mais tempo.

Mas já fazia quase 5 meses que isso tinha ocorrido e ele tinha que fazer algo para pelo menos melhorar o semblante de tristeza que Raissa carregava.

O Líbano é o único País árabe que comemora o Natal no dia 25 de dezembro como feriado oficial e muitas das decorações das cidades são magníficas. Infelizmente, este ano, por causa da pandemia do Coronavírus e a explosão no porto, Beirute não estava como nos outros anos, poucos lugares estavam iluminados com decorações de Natal, havia muita tristeza no ar.

Mas uma coisa que nunca se pode dizer é que aquele povo tenha perdido a fé e o amor. E no alto de um monte, como o pai de Raissa fazia todos os anos em homenagem a mãe dela, alguns amigos de Raissa e Joshua reproduziram o presépio em tamanho quase que natural.

Diferente do presépio que costumamos montar em nosso país, onde o presépio é montado em um estábulo, lá, ele é montado em torno de uma caverna.  O presépio é decorado com sementes, como grão de bico, favas, lentilhas, aveia e trigo, e arbustos que foram cultivados em algodão úmido, 14 dias antes do Natal. Após os 14 dias, essas sementes se tornam arbustos de 6 cm de comprimento, e seu adorno em torno do presépio marca o nascimento de Jesus.

Mas o que eles fizeram era grande, árvores foram transportadas para o local para que se parecesse com os arbustos nascidos no algodão, muitas sementes foram colocadas contornando todo o local, mas com o cuidado que pudessem ser doadas depois para as pessoas necessitadas da região e junto com Jesus, havia fotos, muitas fotos de pessoas que Raissa já havia ajudado, pessoas do passado e do presente, para que ela percebesse o quanto ela era uma grande mulher e querida por muitas pessoas.

Naquela noite de Natal, Raissa não queria se levantar, mas Joshua insistiu e disse que daquele dia a surpresa que ele queria tanto mostrar não poderia passar.

Ela insistiu que não tinha clima para isso, a morte de Karine tinha abalado seu emocional, sentiu mais ainda a falta do pai, lembrando que o Natal era o momento que ele sempre fazia questão de manter o espírito da mãe presente.

Mas Joshua, pegou ela no colo e disse que dessa vez ele não poderia fazer a vontade dela, que ela precisava vir com ele.

Raissa protestou um pouco, mas acabou se deixando levar e já fora do apartamento, se sentiu bem em respirar um pouco do ar daquela noite.

Ele a levou de carro até perto do monte e de lá, seguiram a pé, Raissa não tinha ideia onde Joshua a estava levando, mas conseguia ver que lá no alto tinha uma fogueira acesa.

Pensou que ele tinha feito talvez um jantar para os dois passarem o Natal embaixo das estrelas, mas quando chegou lá em cima, o que ela viu a colocou de joelhos e a fez chorar.

Seus amigos estavam ali, de máscaras, um pouco distantes um do outro, mas sorrindo e batendo palmas para ela, lá de cima, ela podia ouvir várias pessoas nas janelas de suas casas, entoando hinos a meia noite, já que naquela noite a missa não seria realizada no templo.

Ela se levantou e fez questão de sentir em suas mãos cada elemento que havia sido colocado ali, cada folha, cada semente, a palha, a madeira, olhando para cada pessoa que estava ali presente.  Se sentou ao lado de onde estava o menino Jesus e começou a olhar cada foto, cada rosto, quando as virava, havia recados daquelas pessoas que por tanto ela tinha feito. Havia mensagens de agradecimento, mas também de fé, de carinho e de encorajamento, mensagens que para ela, era como se seu pai estivesse ali, falando em seus ouvidos o que ela precisava para continuar. A esperança mais uma vez surgiu em seu coração e apesar da falta imensa que ela sentia da presença de seu pai, ela percebeu que dentro dela ele continuaria ali e que precisava continuar lutando por tudo que acreditava e seguir em frente.

Naquela representação do nascimento de Cristo,  ela viu o retorno da esperança e desejou naquele momento do fundo da sua alma, que todos, independentemente da religião, onde estivessem e na situação que estivessem,  que hoje estavam desabrigados, ou que não tinham o que comer, por aqueles que haviam perdido pessoas que amavam como ela, que haviam perdidos seus empregos ou estivessem se sentindo sozinhos em meio ao caos, que pudessem receber em seus corações o mesmo presente que ela estava recebendo naquele momento: esperança.

E com a esperança, que venham junto a fé, a força e a coragem.

E olhando para todos ali presentes só conseguiu dizer: Obrigada por me devolverem a esperança. Feliz Natal a todos nós! e respirando fundo, continuou: - Agora vamos carregar esses alimentos e levar para aqueles que hoje não tem o que comer.

E Joshua satisfeito com a postura de Raissa, só disse:

- Essa é a Raissa que eu conheço.

 

“ O homem é o arquiteto de seu próprio destino “