Capítulo 4 - Si vis pacem, para bellum.

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Apenas 15 dias para tudo se acabar. 

Charlie era um homem por volta de uns 45 anos. Queixo quadrado, loiro e branquelo, chamava um pouco de atenção por onde passava. E ele passava em muitos lugares.

Querendo ser discreto, ele sempre usava um sobretudo cinza escuro, óculos escuros e chapéu, mas dependendo da época que ele estava, acabava chamando mais atenção ainda.

Sim. Ele é um viajante do tempo, pelo menos, ele acha isso. Ele diz que veio do passado, de 1918, que morava na Filadélfia e com 24 anos, lutou na Primeira Guerra Mundial.

Ele conta que pegou a famosa Gripe Espanhola, que de Espanhola não tinha nada na verdade, provavelmente no desfile de soldados que estavam sendo enviados para a guerra. Aquele desfile mobilizou cerca de 200 mil pessoas nas ruas, tendo como resultado a disseminação violenta da doença com a morte de aproximadamente 16 mil pessoas nos 6 meses seguintes.

E ele era um desses  16 mil. Em meio a guerra e a doença, os seus próximos meses não foram fáceis, primeiro o horror da guerra, explosões, frio, falta de comida, pesadelos, privação de sono e claro, medo de morrer e deixar todos que ele amava para trás.

E depois de todo o terror que havia passado, 15 dias. 15 dias bastaram, com febre alta, muitas dores nas articulações e falta de ar, era só o tempo que bastaria que aquele corpo grande e atlético se findasse. Seu fim seria deitado em uma maca improvisada toda suja de sangue de outro que já havia passado por ali, em meio a gritarias e gruídos de outros enfermos, correrias, naquele acampamento improvisado que fedia a morfina e a ópio.

Mas o mais absurdo aconteceu. Ao fechar os olhos para o encontro mais do que esperado com os braços da morte, seu corpo é lançado ferozmente por uma chama de luz, que mais parecia chamas de fogo em todas as direções e inconscientemente tendo certeza que uma bomba inimiga havia acertado o seu acompanhamento, ele se comprime, mantendo as pernas bem perto do corpo e cai em meio a uma floresta densa e fria. Só consegue virar seu pescoço de um lado para o outro e com o olhar quase que vitrificado. Apaga.

Acordar, depois de tudo isso que aconteceu, não seria uma opção, mas seus olhos vão abrindo devagarzinho, um tanto colados depois de dias desmaiado e tudo que consegue ver é um teto construído com toras de madeiras parecidas com bambus bem grossos, percebe que está deitado no chão, em uma esteira feita de plantas e que no local há muitas coisas penduradas como cocos, lanças, coisas com penas que não davam pra saber para que serviam, tudo feito com elementos da natureza.

Tenta se levantar, mas ainda está muito tonto e fraco. Mas sente que já não está com febre e as dores nas articulações desapareceram. Ele pensava: Como aquilo era possível? Será que ele havia morrido e aquilo era o Ceú? Ou o inferno? Se era, parecia muito diferente do que se descrevia nas missas da igreja a qual frequentava quando era apenas uma criança.

E envolto em seus pensamentos, ouve uma voz, um canto na verdade, uma música em uma língua a qual ele nunca havia ouvido, mas era um som tão doce, que o forçou a levantar e quase que se arrastando, caminhou na direção daquele canto.

Vinha do lado de fora daquela construção toda de madeira e ao empurrar as folhas que se faziam de porta, viu uma figura de costas, abaixada, acendendo o que era uma espécie de fogueira, cabelos negros muito longos, com roupas feitas com penas, cipós, com o corpo todo pintado de diversas cores.

Mais um passo e a relva estralou embaixo dos seus pés descalços e aquela figura se virou, parando imediatamente de cantar, se mostrando uma linda jovem, com adornos de flores e um top feito de miçangas que pareciam sementes avermelhadas.

Ela parecia não se assustar com a presença do Charlie ali, só pediu, mostrando com as mãos, já que Charlie não entenderia sua linguagem, que ele se sentasse, pois ela percebeu que o mundo de Charlie estava girando...

E ele caiu, bem aos pés dela e olhando para aquele lindo rosto, adormeceu novamente.

Quando acordou, percebeu que estava deitado na mesma esteira de outrora e tentando se levantar, sentiu, que já não estava tão fraco e que aquela jovem estava sentada bem do seu lado o admirando.

Ele, sem saber muito o que dizer, só perguntava:

- Onde estou? Quem é você? Como posso estar bem? E a bomba? E a moça só sorria...

E de repente, entra um homem, vestido totalmente diferente daquela jovem, com terno cinza e camiseta branca, dizendo para se acalmar, que tudo seria esclarecido.

- Quem é você? Pergunta Charlie, um pouco assustado com tudo aquilo.

-Meu nome não é importante. Mas posso te garantir que a minha vinda aqui é.

Quando ele disse isso, parecia que o tempo tinha parado, a linda jovem congelado e a faca que ela tinha lançado para acertar aquele homem estranho que ela não conhecia, havia parado no ar.

- Eu vim aqui para te explicar um pouco do que aconteceu com você.

E aquele homem que parecia ter por volta de uns 60 anos, branco, cabelos grisalhos, com uma voz imponente, se sentou no ar, como se tivesse em uma cadeira e começou a falar:

- Meu jovem, eu te observei por toda a sua vida e percebi que há ainda homens de princípios como você e achei que seria uma pena a humanidade perde-lo para uma guerra idiota ou por uma doença infantil.

-Então, te salvei. Agora, você me ajudará em meu propósito.

- Como você me salvou? Que propósito é este? Disse Charlie não entendo nada do que estava acontecendo.

- Calma meu amigo, cada coisa em sua hora, primeiro você precisa se recuperar. Vou começar te explicando onde você está e quem é essa moça que cuida de você.

- O nome dela é Aiyra, ela é uma índia da tribo tupi Guarani, como seu próprio nome diz, ela não tem “dono” e se rebelou com sua própria tribo por não aceitar certos “costumes” locais. Ela fugiu, pois seria morta por eles e está morando aqui nesta parte da Floresta, Floresta Amazônica para ser mais preciso, isolado de todos.

-Ela é muito forte e entende muito de curas medicinais, por isso, eu o trouxe e o deixei próximo a clareira que ela construiu. Ela te achou e agora você está aí. Vivo.

-Mas estou muito longe de onde eu estava. E a bomba? Porque não me matou? Perguntou, Charlie ainda sem entender.

-Não houve bomba, o que você sentiu foi o efeito do “tubo” do espaço/ tempo.  

-Do que você está falando? Charlie perguntou, cada vez mais confuso.

-Vamos lá. Posso te levar em qualquer lugar e qualquer tempo. Você não está mais no ano de 1918, você está em 2000. 82 anos no futuro. A Guerra acabou, já tivemos outras guerras, outras doenças, mas está por vir uma, que pode dizimar a humanidade e vou precisar de você neste quesito. 

E mostrando um sorriso leve no canto da boca e interrompendo aquela conversa disse:

-Descanse e voltarei em outro momento para lhe explicar melhor.

- Espere. Tenho muitas perguntas. Disse Charlie com um tom de aflição na voz.

E aquele homem misterioso desapareceu no ar. A faca que Aiyra havia lançado, continuou seu caminho acertando a parede da oca e Aiyra sem entender nada, só verificou se o seu “hóspede” estava bem e saiu pela porta rapidamente tentando encontrar aquele homem o qual ela tinha visto, não avistando nenhum rastro.

 

Se quer paz, prepare-se para a guerra