Capitulo 14 - Amor vincit omnia

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Depois de muita espera e muita reza, o telefone tocou dando a notícia que muito ela esperava. Os pulmões começaram a respirar sozinhos e os ventiladores artificiais já não estavam mais sendo necessários, o tubo foi retirado da garganta e os monitores indicavam que a sedação estava começando a passar.

 

Mr. Furter ainda não poderia receber visitas, mas o alívio que escorria pela espinha, fez com que a mãe de Mike deixasse cair o telefone e começasse a rir, rir compulsivamente, Mike ouvindo sua mãe aos berros, imaginou que a enfermeira havia ligado e comunicado o óbito de seu pai, mas percebendo que a mãe estava rindo, como se estivesse delirando, pegou o telefone que estava pendurado e tentou chamar por alguém que ainda estivesse do outro lado da linha.

A enfermeira que havia ligado ainda estava lá, chamando pela senhora, então, Mike se apresentou como o filho dela e a enfermeira deu novamente a notícia que seu pai estava melhorando e que parecia que o pior havia passado.

Desligando o telefone, Mike parecia estar em outro mundo e aos poucos foi ouvindo a voz de Thony ao longe, ficando cada vez mais alta:

- O que aconteceu Mike? Fala comigo. Mike? Mike?

E Mike, despertando daquilo que parecia um sonho, disse em um misto de espanto e felicidade na voz:

- Meu pai está vivo e você não vai acreditar, está melhorando. Dentro de alguns dias, parece que poderá vir para casa. Preciso ligar para a Brenda.

Brenda ao vir a notícia ficou muito feliz, Richard, seu marido, não sabia que a esposa se importava tanto com o pai, até porque, ele mesmo, não havia o conhecido, só sabia pelas histórias que ela contava e normalmente não eram muito boas.

 A mãe de Mike, que todos chamavam de Lucy, estava feliz da vida. Parecia que tinha ganhado o melhor presente do mundo. A tristeza havia desaparecido por completo, dando lugar a uma fome de “estômago vazio” e de viver.

Dona Lucy correu para cozinha, cantarolando uma música qualquer e pegando a farinha do armário, açúcar e chocolate, resolveu fazer um bolo e passar um café.

Mike estava feliz com a notícia, mas ficou preocupado em pensar o que o pai diria quando chegasse em casa e o visse lá.

Pensou bem e junto com Thony decidiram ir embora no dia em que seu pai tivesse a alta do hospital. Mike, conversou com a sua mãe, que insistia que ficassem, mas apesar de desejar ter uma família completa novamente, não queria que o pai, que ainda estava em recuperação, ficasse nervoso e piorasse de novo. Disse a mãe que iria conversar com a Brenda e que se ela topasse, juntos voltariam a casa deles, se assim o pai permitisse. E dando um longo abraço triplo, Mike e Thony se despediram e pegaram a estrada de volta para a casa da Brenda.

 

Eles tinham planos de só passar por lá para contar como foram as coisas na casa da mãe de Mike e no dia seguinte partirem para São Francisco, já fazia muito tempo que eles estavam longe da casa.

Brenda, os recebeu como sempre, com um grande abraço e querendo saber das novidades, da mãe e do pai, pediu apenas para que eles se sentassem enquanto ela terminava de fazer o chá.

Pouco tempo depois, quando já estava voltando com a bandeja com as xícaras para o chá e o bule, a campainha tocou.

- Estranho, disse Brenda. Não estou esperando por ninguém. Será que é algum daqueles agentes sanitários que passaram semana passada?

 E quando olhou pelo olho mágico, deixou a bandeja cair no chão e disse:

- Meu Deus!

Mike, Thony e o cachorro correram em sua direção, Mike e Thony para ajudá-la e o cachorro para lamber todo o chá que havia caído no chão.

- Thony recolhendo as coisas do chão, Richard não deixando as crianças chegarem perto para não se machucarem com as louças quebradas e Mike abraçando para que ela não desmaiasse, começou a perguntar o que havia acontecido.

- Olhe pela porta. Foi só isso que ela disse.

E Mike olhando pela porta, não podia acreditar no que estava vendo.

- Só um minutinho! Gritou ele um pouco atônico e acompanhando Brenda até o sofá, voltou para abrir a porta.

Quando ele abriu a porta, sua mãe já emocionada, nunca esperando que isso poderia acontecer, se jogou nos braços do filho. Seu pai, desviando um pouco o olhar com um misto de emoção e vergonha também abriu os braços de uma forma um pouco tímida e dando dois passos a frente ficou aguardando a reação do filho.

Mike hesitou por um instante e vendo que seu pai estava com os olhos marejados e com os braços semi-abertos, resolveu se entregar àquele momento e abraçou o pai com a maior força que podia, o apertando tanto que fez até o velho tossir.

- Opa meu filho, cuidado, esse velho aqui acabou de voltar da morte. E entre fungadas e tossidas se convidou para entrar:

- E será que eu posso entrar? Perguntou o pai olhando para o filho com olhar para o chão.

- Só um minuto pai, a casa não é minha. E Mike foi até a sala perguntar a Brenda o que ele deveria fazer.

Brenda com lágrimas nos olhos e abraçada as crianças, só conseguiu acenar com a cabeça um sim e Mike então foi até a porta e abriu.

A mãe foi entrando primeiro e para tentar quebrar o clima, foi falando de como a casa era bonita, arrumada e vendo os dois netos nos braços da filha, acelerou um pouco o passo, querendo passar a mão na cabeça deles e dar um abraço na filha, mas as crianças se esconderam atrás de Brenda.

Brenda, com a voz embargada, virando-se disse:

- Queridos, eu sei que vocês não lembram da vovó, pois ela os viu quando vocês ainda eram bebezinhos, mas essa é a minha mãe, a vó de vocês, igual a Vovó Lindsay, se referindo a mãe de Richard. E pegando na mão da mãe, se esforçou para levantar e lhe deu um abraço apertado, sussurrando em seu ouvido:

- Que saudade mãe. Como eu queria ter tido você ao meu lado todos esses anos.

A mãe, só conseguiu responder:

- Eu também minha filha. Eu também.

O pai, paralisado, ficou ao fundo da sala, só observando o amor das duas e se sentiu ainda mais culpado por todos estes anos de separação.

Quando Brenda levantou o rosto que estava repousado nos ombros da sua mãe e seus olhos se encontraram com os do seu pai, as imagens de muitos anos atrás, dele apontando a arma para seu irmão, voltaram imediatamente e a falta de ar que sentiu, quando quebrou a garrafa na cabeça dele aquele dia, a atingiu como uma pontada certeira no meio do peito.

Ela sentia muita mágoa do pai, mas também sentia vergonha por ter feito o que fez com ele. Apesar de possuir todos os argumentos do mundo para ter defendido o irmão naquela noite, ela sempre esperou ouvir da boca do pai que ele a perdoava, pois se fosse em alguma ocasião que lhe permitisse escolha, ela jamais o teria machucado.

O pai ainda tinha as marcas da garrafada na cabeça e nunca a havia perdoado até ser internado no hospital. A experiência de quase morte pela segunda vez, agora, por uma doença, que ele mesmo havia subestimado, o fez pensar no tempo que perdeu com tanta mágoa e intolerância. Ele conseguiu perceber que sua filha nunca quis machucá-lo, ela só queria salvar a própria família e que se aquele tiro fosse dado, ele não teria só acabado com a vida do filho, teria sido preso, talvez durante toda a sua vida, a mãe dela teria ficado sozinha, talvez ficado louca sem o filho e sem o marido e Brenda teria ficado sem pai e sem o irmão. Naquele momento ela teve a coragem de fazer o que era o certo, salvando a sua vida e não acabando com ela, como ele pensava antes.

Quando ela abriu a boca, sua voz quase não saía e quase como um sussurro ela ensaiou um... me desculpe, em tom bem baixo. O pai por sua vez, respirou fundo e com coragem, disse em alto e bom som:

- Minha filha, se você precisa ouvir da minha boca que eu te perdoo para que seu coração fique mais leve, eu posso dizer que te perdoo mil vezes se você quiser, mas hoje, eu vejo que quem precisa pedir perdão a todos vocês sou eu. E continuou.

- Eu sempre esbravejei para o mundo ouvir que eu era um homem corajoso, muito macho e que não tinha medo de nada. Eu dizia que homossexuais não eram filhos de Deus, que minha filha era minha “menininha” e que o lugar da minha esposa era dentro de casa me servindo. Eu sempre fui o pior dos covardes, eu tinha medo dos que os outros pensariam de mim e da minha família. Quando naquela festa eu vi vocês dois juntos... E apontou para Mike e Thony com um jeito envergonhado e continuou: -  eu perdi o controle, não só por ver meu filho beijando outro homem, mas por perceber que todos haviam me enganado. Eu que me achava o sabichão, que tinha o controle de tudo, me vi ali, com as mãos atadas pela vergonha e me sentindo humilhado, não percebi que a melhor solução encontrada naquele momento se tornaria o maior erro da minha vida e se não fosse a Brenda me impedir... E olhando para Brenda, pegou na sua mão.

- Todos esses anos eu perdi as melhores coisas da vida de vocês, eu não conheci a casa de vocês em São Francisco, fazia questão de não ver as propagandas que vocês criaram e sempre fui contra tudo e todos que vocês apoiaram. E pegou com a outra mão, a mão de Mike. E virando o rosto para a Brenda continuou:

- Não vi meus netos crescerem e hoje para eles eu sou um estranho, meu genro, que está ali no sofá me olhando de longe, ainda nem me conheceu e sabe lá o que vai achar quando realmente me conhecer. Eu privei vocês da companhia da sua mãe e sua mãe de acompanhar da forma certa, a vida de vocês. E olhando para os braços machucados por tantas seringas e injeções, continuou olhando para baixo: - infelizmente só fui me dar conta disso quando eu achei que iria morrer.

-Na verdade, aquele velho ranzinza morreu no momento que eu entrei naquele hospital sozinho e Deus me deu a chance de renascer como um novo homem, eu tenho certeza que eu não mereço uma segunda chance, mas credito que o cara lá de cima tem certeza que vocês merecem, por isso, ao acordar, decidi, que se vocês permitirem, eu quero ser o marido que a Lucy realmente merece, um pai, que vocês, Brenda e Mike terão orgulho, um sogro que Thony e Richard quererão sempre por perto e o melhor avô que meus netos possam desejar.

- Será que vocês podem me dar uma segunda chance? E olhou o rosto de um por um, aguardando uma resposta.

A primeira a correr e abraçá-lo foi sua esposa Lucy, ela sempre o apoiou desde sempre, o amor dela sempre foi mais forte do que tudo, e agora, que ele queria unir a família, ela não podia estar mais feliz e orgulhosa.

Thony, ainda lembrava daquela cena de horror, mais sabia o quanto no seu íntimo, Mike, queria a  aceitação e compreensão do pai, se lembrou de todas as vezes que eles encontravam com a sua família e Mike sentia uma certa “carência” pelo seu lado da família nunca estar por perto. E colocando as mãos no seu ombro e consentindo com a cabeça deu um empurrãozinho em Mike, que também abraçou o pai e a mãe.

Brenda, ainda receosa, não sabia muito como agir, ela queria abraçar o pai, mas parecia que algo pregava seus pés no chão. Os gêmeos que já não estavam mais escondidos atrás da mãe, correram para o colo do tio Thony quando ele os chamou e fazendo cosquinhas neles, fez com que as crianças começassem a rir e correr pela sala, quebrando um pouco aquela cena de emoção.

Mike e sua mãe, acabaram entrando na brincadeira também e a brincadeira se estendeu até o quintal. Brenda e seu pai sozinhos na sala, ficaram se olhando por alguns minutos e para acabar com aquele clima, Brenda pediu licença e disse que iria até a cozinha fazer o chá, já que o último que tinha feito tinha sido derramado todo no chão.

Seu pai, já sabia que ela não era mais a “menininha” dele e que não podia esperar que ela fosse agir como os outros, mas dessa vez ele não iria desistir tão fácil e disse:

- Posso te ajudar com isso?

E com uma voz quase séria, desviando o olhar para a porta da cozinha, só disse:

- Claro, sr. Furter.

E os dois foram caminhando juntos lado a lado até a cozinha.

Chegando lá, ao abaixar para pegar o bule, seu pai colocou a mão no seu ombro e disse:

- Será que você pode voltar a me chamar de pai?

- Vamos ver. Eu quero muito acreditar que você mudou. A nossa família unida foi o que eu sempre sonhei, mas essa confiança leva tempo.

- Eu entendo perfeitamente filha, mas você me dá uma chance para mostrar que mudei de verdade?

- É claro que sim. Que mãe seria eu, se eu não desse a oportunidade de meus filhos de conhecer o seu avô. Eu sou fisioterapeuta e ajudo as pessoas a se recuperarem e eu vejo todos os dias que se as pessoas realmente querem algo, elas conseguem, inclusive, muitas vezes ser melhor do que sempre foram. Por isso, acredito em você. E Continuou firmemente:

- Mas lembre-se, essa casa que você está, é uma casa de amor e não de briga, eu ensino aos meus filhos que todos merecem respeito, independente da religião, cor ou sexualidade. Na verdade, eles nem sabem muito bem a diferença, pois aqui a diferença faz parte do nosso dia a dia, então, a diferença é o que é normal, então, nem pense em querer mudar isso por aqui.

- E não vou. Querida. Não vou. Eu não quero ensinar nada no momento, eu só quero aprender.

E um pequeno silêncio pairou no ar por alguns segundos e tirando o bule das mãos da filha e colocando embaixo da torneira para encher de água, disse:

- Essa cidade é bonita, não é? Eu estava pensando em falar para sua mãe para vendermos nossa casa e comprarmos uma casa aqui em Minnesota para ficarmos mais próximos, o que você acha?

- Eu acho que seria legal.

E virando de costas para pegar o chá, Brenda disse baixinho com um sorrisinho no rosto: Pai.

 

“O amor conquista tudo“