Capítulo 16 : In vino veritas

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Deitada entrelaçada nas pernas de Tom, Liz acorda com o telefone tocando. Era Raquel, com novidades sobre a investigação.

Raquel, que havia ligado para Liz ha meses atrás perguntando sobre as fotos da amiga dela no Líbano, fez com que Liz, com a consciência pesada sobre o sumiço dos relatórios, revelasse que a amiga antiga dela na verdade era a Raissa do grupo, mas disse que foi um amigo correspondente que tirou aquela foto. Não podia revelar que ela mesma que havia tirado,  pois não conseguiria explicar sem contar do Tom e isso ela ainda não poderia saber.

Fazendo isso, Raquel achou que poderia voltar a confiar em Liz e assim, juntas poderiam investigar o que estava acontecendo. O relatório do professor Win havia trazido revelações sobre a doença do coronavírus, mas não havia provas suficientes que ele estava desenvolvendo um novo vírus, ou se estava pesquisando sobre ele. Também não dava para saber se ele foi financiado por alguém e se fosse, por quem e se aquilo continuava até então. Se o vírus se espalhou com algum propósito ou se foi um acidente. Enfim, haviam muitas perguntas não respondidas.

Raquel, havia contado para Liz sobre aqueles médicos armados do hospital e sobre sua diretora, que para ela, desde o início pareceu suspeita.

- Liz, aqui é Raquel, tudo bem?

E com voz de sono, Liz respondeu:

- Por aqui tudo bem e por aí?

- Eu tenho algumas coisas para eu te contar que eu descobri, mas acho que assim, por telefone é complicado. Nós deixamos o grupo inativo por estes tempos, mas acho que devemos voltar a falar com todos, estive pensando e acho que ninguém estava envolvido no roubo dos relatórios e precisamos do J.D. e da Karine para ajudar com os computadores, da garra da Raissa, dos contatos de Mike e Thony e do conhecimento de Charlie.

- Charlie não, respondeu Liz, rispidamente, sem pensar.

- Porque o Charlie não? Você sabe alguma coisa que eu não sei? Perguntou Raquel com um tom desconfiado.

E Tom, que já estava acordado, prestando atenção na conversa, só fez sinais para que Liz inventasse alguma coisa:

E Liz hesitando um pouco em responder, querendo pensar em algo rápido mentiu:

- Eu não queria dizer, pois acho que não precisa ser de conhecimento de vocês, mas Charlie não é uma boa pessoa. Quando nos reunimos no Natal para conversarmos sobre o caso, ele tentou me agarrar e foi horrível, eu consegui escapar, mas não quero mais olhar para aquele rosto de novo... Liz, odiava mentir desse jeito, até porque naquela noite, Charlie se mostrou tão amigo dela, mas depois do que ele havia feito com Raissa, ela não poderia manter ele perto de ninguém.

- Nossa Liz e você não contou nada a ninguém, disse Raquel surpresa.

- Raquel, eu já passei tantas coisas na minha vida e essa só foi mais um capítulo da minha história que eu quis deixar para trás.

- Liz, então vou fazer o seguinte, vou chamar todos fora do grupo, vou explicar o que aconteceu e vou pedir para Karine criar um outro grupo com todos nós para explicar o que está acontecendo.

- Combinado, fico esperando. E desligou o telefone respirando aliviada.

- Nossa Liz, quase que você entregou tudo para Raquel com esta história do Charlie. Ela não desconfiou? Perguntou Tom.

- Parece que não, ela disse que vai pedir para montar o grupo de novo, sem ele. Eu gostaria de contar a ela a verdade. A Raissa já sabe. Você não acha que podíamos contar sobre você para o grupo, sobre a “Força”. Acho que todos deveriam saber.

- Eu não sei não. Em todos estes milhares de anos, eu nunca confiei em ninguém, pois já conheci muito da raça humana para poder confiar.

- Mas você confiou em mim. Disse ela olhando bem dentro dos seus olhos.

- Sim, me apaixonei. Mas esse amor não vem de agora e eu já te falei isso, você já provou em inúmeras vidas que eu posso confiar em você. E o mais engraçado é que todas as vezes você vem com essa ladainha de confiar nos outros, que eu devo me apresentar, você sempre confiando nos outros. É que você não se lembra e deu uma risadinha.

- Me conta um pouquinho do nosso passado. Do meu passado. Disse Liz com uma voz mansa, passando o dedo indicador no rosto de Tom.

- Você sabe que eu não posso, é totalmente contra as regras. Respondeu Tom desviando o olhar.

- Mas se apaixonar por mim também não era? Perguntou Liz com um tom de deboche.

- Sim. Mas se até Ele se apaixonou, porquê eu não poderia? Respondeu Tom sem pensar muito.

- Ele se apaixonou? Por quem? Liz perguntou, como se fosse o maior furo de reportagem da sua vida. E interrompida por um beijo que a empurrou em direção aos lençóis, se deixou envolver e resolveu esquecer por um tempo aquele assunto.

Raissa, já havia conversado com J.D. e Karine e havia conseguido traduzir as falas daquele homem misterioso que o pai de Karine tinha ligado, nada muito diferente do que eles haviam feito, com exceção de uma coisa, ao contrário do que Karine pensava, aquele dialeto árabe não era de Israel e sim do Líbano e tudo aquilo então, ficou mais estranho ainda.

Quando Raissa recebeu a ligação de Raquel, querendo que todos voltassem a unir forças com exceção de Charlie, Raissa entrou em contato com Karine e J.D. e os convenceu a abrir tudo para o grupo. J.D. gostava de Liz e não achava que ela tivesse qualquer coisa a ver com o sumiço. Decidiram pelo sim. Só faltava Mike e Thony, mas estes não foram difíceis de convencer, com a volta da união da família, o coração deles estava mole e qualquer coisa oferecida, eles topavam, então, com exceção a Charlie, todos voltariam a se conectar.

Durante este ano de 2020, bastante tempo havia se passado e muito havia acontecido.

Quarentenas impostas, muitos mortos e doentes, economias fechando, economias retomando, manifestações a favor e contra presidentes, manifestações contra preconceitos raciais, quebra quebra, tumulto, explosões,  intolerância e muito, muito medo.

E junto com o mundo, esses amigos haviam passado por tanta coisa, Raissa, havia salvado uma vida e perdido o pai, Mike e sua irmã Brenda, fizeram as pazes com o pai e Thony ficou muito feliz por isso, Raquel, quase havia morrido pela covid, mas sobreviveu e não descansou até o momento sobre a doença e sobre o professor Win, Liz, se apaixonou por Tom, conseguiu encerrar a faculdade de jornalismo e ganhou bastante dinheiro com as notícias que conseguiu dar neste período em primeiro mão, J.D. estava apertado de grana, mas trabalhar com a Karine estava lhe trazendo prazer e o salário o ajudava a manter a casa de prostituição, Karine, começava a ver que seus pais se importavam com ela de verdade, já que começou a perceber que seu pai a amava do jeito dele, querendo a salvar da chantagem que estava sofrendo.

Na primeira reunião online que tiveram todos juntos já no dia seguinte, Liz teve que reafirmar aquela história sobre Charlie que ela havia inventado para Raquel e todos acabaram imaginando que então poderia ser ele o responsável pelos sumiços dos relatórios do professor Win. Sentiram a saída dele, pois ele tinha muitos conhecimentos históricos que os outros não conheciam, mas a traição que sofreram era muito grave para ser perdoada.

Após estas explicações de Liz, Raquel começou a contar tudo sobre o que havia descoberto. Ela contou que após o sumiço dos relatórios ela ficou muito triste e se sentindo culpada e voltou a trabalhar no hospital sem muita esperança. Até que um dia ele avistou 2 homens estranhos de jaleco de médico e falando uma língua estranha haviam saído da sala da diretora do hospital e quando os seguiu, percebeu que pelo menos um deles estava armado.

Ela anotou a placa do veículo que eles estavam e queria que J.D. ou Karine rastreassem de quem era pra saber se isso levaria a alguma nova pista.Ela também havia ouvido a Diretora falar sobre acobertar casos no hospital e neste mesmo dia, viu um dos colegas de trabalho do professor Win, aqueles que disseram não saber de nada, entrar na sala dela.

E por último, no dia anterior, ao chegar em casa, havia um bilhete em cima da escrivaninha dela, com as letras recortadas de revista e montadas com a frase: Fique longe.

Ela estava apavorada e disse que tinha certeza que aquele bilhete era por causa das investigações que ela estava fazendo, mas ela não podia parar pois ela tinha certeza que estava chegando perto, não sabia como agir, pensava até em sair do país.

Karine, com o apoio de J.D., contou ao grupo sobre a ligação do seu pai com pessoas estranhas e que pareciam estar o chantageando, contou que já havia falado com Raissa, sobre a ligação que seu pai fez e o sotaque era libanês.

Raissa contou da explosão e da morte do seu pai e a dor que eles estavam vivendo em Beirute, mas agradeceu pelo convite feito por J.D. para ajudar com o mistério do pai da Karine, como também agradeceu Raquel por procurar Liz para saber de seu paradeiro. Fazer parte de alguma coisa agora, era tudo que ela precisava para desfocar a dor que sentia e quem sabe tudo isso que estava sendo descoberto pelos seus amigos não tinha alguma ligação com aquela explosão no porto e ela poderia fazer justiça pelo seu pai e por todos que ali perderam suas famílias.

Mike e Thony um pouco sem clima e sem jeito, mas a pedido dos amigos, contaram um pouco sobre o que viveram nos últimos meses, os sobrinhos, as manifestações, a quase morte do pai de Mike, a tristeza da mãe e a reconciliação da família. Causou espanto a todos, a sobrevivência e  a mudança tão drástica de comportamento do pai, mas todos ficaram felizes que pelo menos alguém no grupo tinha uma notícia boa.

 Liz, desligou o microfone por um instante e perguntou em voz baixa para Tom, se ele tinha alguma coisa a ver com aquilo.

- Milagres não faz parte do meu departamento. Diz ele em tom sério sem pestanejar.

Liz deu um tapa no ombro e perguntou em seguida se ela não poderia mesmo apresentá-lo para o grupo, já que ele seria um ótimo substituto para Charlie, conhecimento histórico era o que não lhe faltava.

- Já te disse que confiança é algo complicado. Disse Tom negando com a cabeça.

- Mas a Raissa já sabe de você. Dizia Liz tentando convencer Tom a participar daquilo.

- Eu não preciso estar no grupo de vocês para te ajudar. Disse ele pegando na mão de Liz.

- Mas será mais fácil para eu explicar coisas que eu posso vir a saber e até se eu voltar a viajar para algum lugar, eu posso dizer que você que conseguiu as minhas liberações, vou dizer que é policial.

- Tá bom, tá bom. Você já estava com tudo isso na sua cabecinha né? Disse ele contrariado e continuou:

-  Mas eu tenho que parecer uma pessoa normal. A Raissa não pode abrir a boca, senão todo o plano pode sair errado e há coisas que eu não controlo, como eu já te disse, e seus amigos podem correr perigo comigo por perto.

Liz, mesmo sabendo dos riscos, estava feliz por poder incluir Tom naquele círculo, então, envia mensagem de texto para Raissa, informando que iria apresentar Tom para todo mundo.

- Raissa, só responde: Quem é Tom?

E Liz entendendo a resposta da amiga, apresenta Tom para todos, falando para eles ficarem tranquilos, que ele é da área de investigação da polícia federal de São Paulo, uma ovelha desgarrada que gosta de fugir um “pouquinho” das regras. Ela disse que eles tinham se conhecido em uma das matérias que ela fez e eles estavam se ajudando desde então.

Todos concordaram com a entrada dele, J.D. um pouco preocupado por causa das suas atividades, mas conhecendo Liz, a mulher que não dava ponto sem nó, resolveu confiar nele também.

Agora Tom, não só namorava uma jornalista humana, tinha seu segredo guardado por uma mulher com sede de justiça e ainda era o oitavo. O oitavo integrante de um grupo que eles ainda não sabiam, mas que foram escolhidos para salvar a humanidade.

E Tom larga a mão de Liz e sai da sala para buscar uma garrafa de vinho na cozinha e enchendo a taça que já estava em cima da mesa, longe de Liz, fala baixinho para si mesmo:

- Mal sabem eles no que estão se metendo. Como salvá-los deles mesmos?

 

 A verdade está no vinho”