Capítulo 8 - Luceat lux vestra

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Liz resolveu parar de pensar um pouco no homem de olhos vermelhos e decidiu se concentrar no que realmente era importante: uma nova doença.

Charlie, já muito preocupado, pois sentia dentro do seu peito, que o que ficou esperando tanto tempo estava por chegar, começou a digitar o mais rápido que podia e pela primeira vez propôs que aquele grupo se reunisse pessoalmente.

Claro, que pela distância, que estavam um do outro, talvez isso demorasse um pouco para acontecer, mas Charlie insistia que dessa vez era diferente e o resto do grupo, apesar de também preocupados, estranhavam tamanho desespero da parte dele.

J.D. que há alguns dias estava sumido, apareceu de repente e disse que ele não poderia se encontrar agora, mas que queria contribuir para as investigações. Ele nunca aparecia mesmo, nem o nome dele inteiro ele tinha dado para o grupo, então o fato dele não querer ir a reunião não seria novidade para ninguém. Mal sabiam, que Liz já o conhecia, mas ele achava que ainda não era hora dela saber quem ele era de verdade.

Seu nome era José Duarte e enquanto pensava em todas as palavras que tinha lido, acariciava sua enorme barriga perante o espelho, sua barba, mal acabada e mostrando um ar de desleixo e o sorriso amarelo, começou a se lembrar de quando era uma criança e dos amigos da rua.

Ele sempre foi acima do peso ideal, o gordinho, ou o Bola 7, como tantos o chamavam, nunca conseguia ser aquele chamado para os jogos ou para participar das festinhas.

Ele não entendia muito bem o porquê de tudo isso acontecer. Ele era um cara legal. Gostava de todo mundo e tratava todo mundo com cordialidade e simpatia. Mesmo assim, as ofensas e a exclusão se mantinham.

Ele foi crescendo, estudou muito e se especializou em programação de computadores, assim podia evitar ao máximo as pessoas, até que um dia, um encontro inesperado mudou a sua vida.

J.D. havia acabado de trancar a porta de seu pequeno escritório para ir almoçar e andando pela rua, olhando para o chão como sempre fazia, esbarrou com uma moça aflita e com respiração ofegante, que com o encontrão, perdeu o equilíbrio, tropeçando e caindo no chão.

Ao abaixar para ajudá-la a se levantar, dois homens aparecerem e imediatamente mandaram que ele ficasse longe dela e ele não entendo nada e em meio aquela situação, bancando o herói e sem saber o porquê, se colocou na frente dela e disse que não ia sair.

- A deixem em paz. Disse J.D. para aqueles homens. Ele era um homem alto, quase 1,90 e com 140 quilos, mas apesar do seu tamanho assustador, não saberia lutar contra dois armados ou treinados.

- Essa moça deve dinheiro para gente cara. Ela pode ser bonita, mas não vale nada. Falou um dos homens com um sorriso entre os dentes.

- Quanto ela deve para vocês? J.D. perguntou sem saber o porquê.

- R$ 10.000,00 e ela tem que pagar agora. O outro homem respondeu.

J.D. pensou por um minuto, olhou para ela e disse:

- Vá. Eu vou resolver isso. E ela com gratidão no olhar e quase sem voz, murmurou um Obrigada.

J.D., não tendo quase nada de grana, pensou nas suas economias e foi ao banco mais próximo com aqueles dois homens e sacou o pouco dinheiro que tinha e deu para eles.

-E não voltem e deixem ela em paz. Disse ele em um tom firme e triste ao mesmo tempo.

-Os dois voltaram felizes com o dinheiro e falando alto e rindo: O chefe vai ficar feliz que resolvemos. Que bom encontrar aquele otário.

J.D., não tinha a menor ideia de quem poderia ser aquela moça e por alguns dias a procurou pelas redondezas, sem sucesso, chegando até a pensar que tudo deveria ter sido um golpe e que ele teria caído direitinho.

Até que recebeu uma visita inesperada.

Sentado em sua cadeira pequena que mal acomodava seu corpo grande, atrás de uma mesinha que também não era das melhores, viu uma figura bem diferente das que costumava entrar, passando pela porta.

Era ela. Um pouco cabisbaixa, pedindo licença e um tanto quanto; um pouco sem jeito, de roupas mais comuns, calça jeans, camiseta branca, tênis, sem maquiagem. Mas nem por isso, menos bonita.

- Eu vim te agradecer pelo que você fez por mim e te dizer que eu vou te pagar algum dia. Você foi muito corajoso e eu nunca vou esquecer.

O que o levou a ajudar aquela total estranha, ele não sabia, mas sentia que deveria fazer aquilo e fez e nascendo mais uma vez um foco de coragem, olhou pra ela e perguntou:

-Você quer tomar um café comigo? Para gente conversar um pouco mais?

-Claro que sim. Ela respondeu prontamente com um estranho rubor no rosto.

E levantando-se, empurrando a cadeira para trás, caminhou até a porta indicando a saída. Ao se virar, trancou a porta e foram os dois caminhando pela calçada e conversando.

- Eu me chamo José Duarte e você?

- Eu me chamo Eleanor, mas todos me chamam de Linda.

- Você gosta de Linda?

- Gosto sim.

- Então te chamarei assim também, até porque combina muito com você.

E lado a lado, fazendo alguns comentários aleatórios, do tempo e do lugar que estavam, chegaram até o café mais próximo.

Lá, eles procuraram um lugar aconchegante para se sentar, afinal não era em qualquer cadeira que J.D. cabia. E em um canto, bem instalados, após pedirem cada um, um cafezinho, começaram a conversar.

- Acho que devido as circunstâncias eu posso lhe perguntar uma coisa. Como você acabou devendo aquele dinheiro para dois caras tão mal encarados? Perguntou ele sem olhar muito para os olhos dela, mas curioso em saber a resposta.

- Eu trabalho como garota de programa e aqueles homens trabalham para o meu chefe. Tudo que eu ganho eu dou uma parte para eles porque eles “cuidam” de mim. Sabe, ficam de olho, protegem a gente contra caras malucos que às vezes aparecem. Não é tão ruim quanto parece. Só que ele não perdoa quem não paga. Nada de desculpas ou atrasos. E eu me enrolei, porque uma amiga me disse que precisava muito do dinheiro para ajudar a mãe que estava doente e me disse que até a data que eu tinha que pagar, me devolveria e eu boba caí.

-Ela não era tão amiga quanto eu pensava e me enganou, além de pegar parte do dinheiro que eu mesma dei a ela, ainda foi no meu apartamento e roubou todo o resto das minhas economias e fugiu. Dizem por aí que foi para o interior, mais sei lá.

-Eu tentei explicar, pedir um tempo para pagar, mas ele não perdoa, ou eu pago ou ele me apaga. Eles dizem que é exemplo para outros e que não existe exceção.

-É. Você salvou a minha vida. Devo ela a você. E estendeu a mão dela, para pegar na mão dele que estava sobre a mesa.

J.D. ficou comovido com a história, se sentiu quase que como um herói em ter salvo a vida dela e começou a pensar quantas estavam naquela situação. E ela era tão doce.

Após um breve silêncio, os dois retomaram a falar juntos e achando a situação engraçada, começaram a rir e se deu início a uma bela amizade.

Conversaram muito aquele dia, cada um contou da sua vida, seu passado e tudo que os havia levado até ali e depois daquele dia, passaram a se encontrar pelo menos uma vez na semana para tomar um café.

J.D. insistia que Linda saísse daquela vida, mas Linda, parecia não querer e foi apresentando outras amigas a J.D., cada vez o grupo era maior e engraçado, elas se sentiam seguras perto dele. Ele que sempre foi renegado na infância, encontrou companhia, que para maioria dos outros, poderia ser estranho, para eles, eram verdadeiros amigos.

Até que um dia, o dono da boate, para a qual as meninas trabalhavam foi assassinado. Todas estavam desesperadas, pois nenhuma delas teria para onde ir, e como o “chefe” não tinha família nenhuma ou qualquer herdeiro que assumisse aquele tipo de negócio, para quem deixar aquilo tudo, Linda surgiu com a grande “ideia”.

- José, você tem que ser o novo dono. Podemos dizer que você comprou do “chefe” antes dele morrer.

-Ninguém vai acreditar nisso Linda, você tá pirando. Vocês tem que dar outro jeito. Respondeu J.D. prontamente.  

- Não tô não. Você é o cara dos computadores. Tenho certeza que você consegue alterar alguns papeizinhos. Disse com um sorrisinho no canto da boca.

-Linda. Até poderia tentar, mas não sou bandido, sou um cara do bem, eu não poderia fazer isso e mesmo que eu conseguisse fazer, eu não saberia administrar uma casa de prostituição, mandar nas meninas, controlar seguranças, bater em caras maus...

- Mas não pense desse jeito. Você vai fazer o bem. Você já pensou em cada menina que trabalha lá? Você já foi lá algumas vezes e sabe o que vai acontecer com elas se elas caírem nas mãos de pessoas muito erradas? Você seria a nossa família. A família que elas nunca tiveram.

J.D. pediu uns dias para pensar naquela loucura e não sabe o porquê acabou aceitando. Criou um testamento falso mas que passou batido pelos cartórios e semanas depois assumiu aquele lugar, onde sofreu um bocado e aprendeu muito e que no futuro acabou sendo mais que sua casa.

Comandando a boate e com a sua administração “diferente” o negócio prosperou absurdamente, mas ele nunca deixou seus computadores de lado e querendo sempre fazer mais, se infiltrou naquele grupo que parecia ser de pessoas que queriam fazer diferente.

Como ele ficava entre o legal e o ilegal, ele acabava tendo conhecimento de várias coisas que as pessoas “comuns” não tinham. Conhecia pessoas de todas as classes sociais e de poder, incluindo políticos, traficantes e grandes empresários.

Quando Liz entrou aquele dia na boate, J.D. que possui memória fotográfica, imediatamente reconheceu Liz do grupo. Ele nunca se mostrava na câmera, colocava uma figura de um ponto de interrogação. Já os outros, apresentavam suas fotos e por muitas vezes faziam chamada de vídeo. Por esse motivo ele não aceitou que ela ficasse, sabia que ela tinha potencial para muito mais e ele estava certo. 

Véspera de Natal e Liz e Charlie estavam sentados no gramado em direção a linda árvore de Natal do Parque Ibirapuera, esse foi o local e data que eles decidiram fazer a “reunião”. Era 20h45 e estavam esperando o show da fonte luminosa. Conversando displicentemente antes de começar a falar diretamente sobre o assunto que os levaram aquele encontro, observavam o grande movimento de pessoas e ficaram tentando adivinhar como eram a vida daquelas pessoas que passavam por perto deles e de onde eram. Ouviam nas conversas que quase todos eram brasileiros, de regiões diferentes, ouviram cariocas, nordestinos, mineiros e muitos paulistas.

Ouviram também alguns estrangeiros, riram de um casal esquisito, ou juntos com eles, que passaram embriagados com garrafas na mão que pareciam de champanhe e falando algo ininteligível em espanhol apontando e mexendo com eles, fizeram alguma piada que eles não entenderam nada. Alguns japoneses com várias máquinas fotográficas, não querendo perder a melhor foto ou no caso filmagem...

Quando de repente, ouviram um alvoroço e ao se virar para ver o que estava acontecendo, observaram uma fila se formando em direção a um homem vestido de Papai Noel. Ele estava entregando doces para as crianças, mas não imaginando que teria tantas crianças por lá, começou a se distanciar pois seus doces estavam acabando, quando por causa disto começou uma briga. Alguns irritados com aquele “bom velhinho” começaram a xingá-lo e a atirar coisas nele. Liz, vendo aquela cena para lá de absurda e em meio ao começo do show de luzes, chamou Charlie para ajudar e tentando salvar o Papai Noel, o foi puxando, correndo, o Charlie atrás tentando pedir para o pessoal parar, até que conseguiram chegar ao carro de Charlie e assim que conseguiram entrar, fugiram daquela maluquice.

Ao oferecer um papel para o “Papai Noel” se enxugar do suor, acendeu a luz interna do carro e mesmo com a fantasia, não tinha como não reconhecer, era o “Papai Noel”, dono do puteiro.

Por um instante ela paralisou. Era muito coincidência. O que ela faria? Contava quem ele era a Charlie? Mas ela teria que contar o que ela estava fazendo lá. Será que ele a tinha reconhecido? Sem muito saber o que fazer, só conseguiu perguntar onde ele queria descer e ele com a voz mais natural do mundo, só respondeu:

- Na próxima esquina. E muito obrigada pela ajuda.

Charlie, sem entender nada, porque achou que Liz iria insistir para levá-lo para outro lugar, talvez um pouco mais seguro, só pediu para Charlie então parar o carro e quase que expulsando aquele homem do carro, o largou na esquina escura que ele havia pedido.

- Liz. Tudo bem com você? Achei que estava contente em salvar aquele homem daquelas pessoas, mas você parece estar pálida, não achei que o deixaria ficar naquele lugar.

E com a voz trêmula mas tentando disfarçar, só pode responder:

- Mas estou feliz. Só fiz o que ele pediu. Afinal, é quase natal. É o Papai Noel que manda, não é? E dando um risinho meio de nervoso de canto de boca, fez com que Charlie esquecesse por um momento daquela história.

E J.D., não conseguiu o que queria, que era escutar um pouco daquela reunião deles, na verdade, quase estragou tudo, tinha certeza que Liz tinha o reconhecido e chamando um taxi, pediu para que o levasse pra casa.

Liz e Charlie foram então para um barzinho próximo a Av. Paulista e lá ficaram até o meio da madrugada, tentando esquecer aquela história maluca e brindando o Natal juntos , o qual havia acabado de chegar a meia noite e assim seguiram até o meio da madrugada discutindo os fatos do verdadeiro motivo da sua reunião.

Longe dali, na China, Raquel estava de plantão e já não tinha mais dúvida que existia um vírus ou bactéria nova ali que estava deixando as pessoas doentes e que era preciso alertar as autoridades, o mundo, todos precisavam se proteger, quando saísse dali aquele dia, ela faria alguma coisa. Não era esse o presente de Natal que ela esperava dar ou ganhar, mas era o que ela precisava fazer.

Já Mike e Tony, não quiseram saber de reunião ou sobre aquele assunto, estavam maravilhados de passar o Natal com os seus parentes e sobrinhos, principalmente em meio a uma festa linda regada a muita neve, presentes e vinho.

Karine, ainda com seus pais e um monte de estranhos, nem imaginando que um vírus iria mudar a sua vida de ponta cabeça, estava se “escondendo” em seu quarto, assistindo um filme, para ficar longe daquelas festas chatas, cheio de coisas chiques e conversas de trabalho, onde um queria ser mais que o outro. Ela só queria mesmo às vezes ter uma vida normal, ver uma casa cheia de tios e tias, puxando a orelha dos sobrinhos, igual aquelas famílias que ela via nos filmes.

E Raissa, que havia sido socorrida por uma família de italianos da cidade de Asciano, estava fingindo estar sem memória para poder se esconder e a família muito simples e por ser época tão próxima ao Natal, acreditando ser um milagre divino, ou talvez realmente fosse, resolveu dar acolhida aquela moça que parecia tão necessitada e machucada. Então no Natal ela estava ali, entre estranhos, mas recuperada, e mesmo sem internet, nunca se sentiu tão parte de algo, que ela sabia que não era dela ou nem talvez tão verdadeiro, afinal de contas, ela os estava enganando, mas se sentiu no direito de sentir aquele fio de felicidade e paz, nem que fosse por pouco tempo.

 

Deixe a sua luz brilhar